CNPEM cria coquetel de enzimas “barato” para etanol de 2ª geração

Tecnologia reduz custo de produção do combustível a partir do bagaço e palha de cana-de-açúcar

Por Redação

Escalonamento em planta piloto é última fase antes de tecnologia chegar à escala comercial; pesquisadores estimam que coquetel estará disponível em no máximo dois anos (Divulgação: Erik Nardini/CNPEM)

O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) patenteou coquetéis enzimáticos de alta eficiência que reduzem os custos da produção de etanol de 2ª geração (a partir de bagaço e palha de cana).

Previsões otimistas indicam que a tecnologia poderia injetar mais 15 bilhões de litros do produto no mercado nacional, quando a produção de álcool “comum” (feita a partir da fermentação do caldo da cana) chega a 30 bilhões ao ano no Brasil.

Os pesquisadores do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM) desenvolveram o coquetel a partir de uma linhagem do fungo Trichoderma reesei e, após dois pedidos de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) via Patent Cooperation Treaty (PCT) em 2019, revelaram a invenção para comunidade científica em maio por meio do estudo publicado no periódico Biotechnology for Biofuels.

Com uma produção de etanol na casa dos 30 bilhões de litros/ano, o Brasil é um dos principais players do mercado mundial. Ainda assim, grande parte do combustível é feita a partir da fermentação do caldo da cana. O aproveitamento dos “subprodutos” da planta (bagaço e palha de cana), contudo, pode ser uma fonte rica para o etanol de segunda geração (2G) ou celulósico.

Fungo “engenheirado” utilizado pelos pesquisadores do LNBR/CNPEM para produção de enzimas de alto rendimento (Divulgação: LNBR/CNPEM)

Com modificações no fungo, os cientistas observaram uma produção de cerca de 80 g/L de enzimas, a mais alta já descrita em uma publicação científica a partir de fontes de carbono (açúcar) de baixo custo.

Além da alta concentração de enzimas por g/L, o coquetel produzido pelo fungo geneticamente modificado também apresentou eficiência de sacarificação da ordem de 60-70%, números próximos aos vistos em coquetéis comerciais, muito mais caros.

Em estágio avançado de desenvolvimento e com empresa interessada no licenciamento das patentes, a tecnologia se encontra em fase final de escalonamento em planta piloto e já superou as etapas de análise tecnoeconômicas e ambientais.

Para fins de comparação, a mais alta concentração de enzimas até então relatada para este tipo de fungo, com a utilização de uma fonte de carbono de baixo custo, havia sido de 37 g/L, resultado observado em uma linhagem proprietária, o que dificulta a pesquisadores a reprodução do trabalho.

Tecnologia avançada

A produção do coquetel enzimático do LNBR/CNPEM tem sido acompanhada de avaliações técnico-econômicas detalhadas e periódicas, uma vez que a sua competitividade econômica é crucial para o desenvolvimento, consolidação e sucesso da tecnologia do etanol 2G.

Dentre os fatores mais relevantes que vem sendo monitorados, destacam-se os custos operacionais relacionados aos insumos, com especial destaque aos custos da fonte de carbono utilizada. Outros fatores importantes são aqueles relacionados às utilidades de processo (eletricidade e vapor), bem como ao investimento com equipamentos necessários para a produção do coquetel em unidades integradas ao processo de etanol celulósico, denominadas on-site.

“Alguns de nossos resultados mais recentes têm mostrado um avanço significativo na redução dos custos operacionais de produção por kg de proteína. A literatura científica afirma que os custos de produção em unidades on-site devem variar entre US$ 4 a 10 por kg de proteína e nossas avaliações têm apontado uma tendência de aproximação cada vez maior dos valores mínimos observados nesse intervalo de custos”, explica Edvaldo Morais, pesquisador especialista em análises tecnoeconômicas no LNBR/CNPEM.

Engenharia genética

Com o uso de uma ferramenta de edição genética conhecida como CRISPR/Cas9, especialmente customizada para este fungo, os pesquisadores puderam realizar modificações genéticas decisivas no microrganismo, incluindo edição de fatores de transcrição, deleção de proteases e a inserção de enzimas heterólogas (enzimas de interesse, oriundas de outros microrganismos, e que com o processo de inserção no fungo o habilitam a produzi-las também).

“É surpreendente o aumento verificado na capacidade de produção e na qualidade do coquetel de enzimas gerado pelo fungo que desenvolvemos”, relata Mario Murakami, líder da pesquisa no LNBR/CNPEM. Além da alta concentração de enzimas por grama/litro, o coquetel produzido pelo fungo geneticamente modificado também apresentou eficiência de sacarificação semelhante à de um coquetel comercial. “Além disso, esta plataforma foi concebida de forma que fosse totalmente integrável as usinas sucroalcooleiras do país, sem custo de downstream, transporte e armazenamento”, acrescenta Murakami.

Na esteira de vantagens da tecnologia desenvolvida no CNPEM, os pesquisadores destacam que este fungo é capaz de produzir todas as enzimas necessárias para a hidrólise enzimática, visto que uso combinado de distintas fontes produtoras de enzimas tem se mostrado impraticável na realidade industrial.

Com o estudo, os pesquisadores também foram capazes de desmistificar a ideia de que o desenvolvimento de uma linhagem competitiva para a produção industrial de celulases levaria décadas de pesquisas e investimentos, desencorajando iniciativas. “Com o desenvolvimento de tecnologias avançadas de biologia molecular, novas perspectivas de múltiplas modificações genéticas se mostraram plenamente viáveis, deixando no passado as então restrições por baixas eficiências de transformação obtidas com este fungo”, esclarece Murakami.

O trabalho representa um avanço significativo neste campo de pesquisa, o que deverá pautar estudos futuros relacionados à produção de enzimas com este fungo e, possivelmente, impactar também o setor de produção industrial de enzimas.

Grandes perspectivas

Com uma moagem de cana da ordem de 633 milhões de toneladas por safra, o Brasil gera cerca de 70 milhões de toneladas de massa seca de palha, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).

Com aplicações diversas, hoje a palha é utilizada pelas usinas para a cogeração de energia elétrica, processo que tem sido aperfeiçoado pelo Projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity), uma iniciativa implementada pelo LNBR/CNPEM, financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e gerido em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Desde 2015, o LNBR trabalha em parceria com 20 usinas no Brasil no desenvolvimento de tecnologias industriais e protocolos para a geração de energia limpa, com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A mesma palha utilizada para energia, no entanto, também pode ser adotada para a produção de bioetanol. Essa flexibilidade é altamente desejável pois permite às usinas adequar sua produção à demanda, optando pela geração de energia ou produção de biocombustível, de acordo com movimentos observados no mercado.

“O SUCRE é um marco no setor sucroenergético brasileiro pois foi responsável por identificar as barreiras que estavam inibindo um uso mais amplo da palha, sugerindo alternativas para contorná-las. Desta forma, viabilizou a geração de energia excedente, ampliando acesso a oferta de energia limpa bem como a atuação das usinas”, explica Regis Leal, diretor do Projeto SUCRE.

“Um coquetel enzimático brasileiro, com custo competitivo, vem enriquecer o potencial da palha e de outros subprodutos e garantir uma utilização ainda mais eficiente da matéria-prima”, esclarece.

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