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Vacinas

Agricultura molecular pode levar produção de vacinas a lavouras

Empresa canadense usa plantas para sintetizar imunizante contra a Covid-19

A empresa canadense Medicago está em fase final de testes clínicos de uma vacina sintetizada em plantas para combater a Covid-19. O imunizante imita a camada externa do vírus para estimular a resposta imunológica e foi desenvolvido em apenas três semanas usando “agricultura molecular”.

Com engenharia genética e biologia sintética, cientistas podem transformar plantas em biorreatores naturais.

O conceito tem o potencial de transformar por completo a maneira como entendemos hoje as vacinas e, talvez, atribuir mais um papel aos agricultores. Além de produzir comida, os produtores poderiam fazer o mesmo com “agro-vacinas” e medicamentos.

As vantagens são variadas. Além de acelerar a produção, as plantas poderiam até mesmo levar em suas células as moléculas das vacinas, ou seja, os imunizantes estarem, por exemplo, nas frutas de um pomar ou nos copos de suco de laranja.

Esse é um dos objetivos da agricultura molecular. Usando engenharia genética e biologia sintética, os cientistas podem introduzir novos caminhos bioquímicos em células vegetais ou mesmo nas plantas inteiras para transforma-las em biorreatores naturais.

Concebida pela primeira vez em 1986, a agricultura molecular ganhou impulso na década passada, quando o FDA (Food and Drug Administration, equivalente à Anvisa nos Estados Unidos) aprovou a primeira e única proteína terapêutica derivada de plantas para humanos.

Neste caso, o medicamento visava o tratamento da doença de Gaucher, um distúrbio genético que impede as pessoas de metabolizar gorduras. Contudo, para um grupo de pesquisadores, isso foi apenas o começo.

Em um artigo publicado em agosto na prestigiosa revista Science, os cientistas Hugues Fausther-Bovendo e Gary Kobinger defendem que as plantas há muito tempo são um recurso esquecido para a biofabricação. “A agricultura molecular pode ter um impacto considerável na saúde humana e animal”, disseram os autores.

Cultivo de vacinas

As plantas são baratas e imunes às formas comuns de contaminação de outros processos de fabricação de medicamentos, ao mesmo tempo que são sustentáveis ​​e ecologicamente corretas.

As proteínas ou vacinas terapêuticas resultantes ficam em suas sementes ou outras células e podem ser facilmente desidratadas para armazenamento, sem necessidade de freezers ou logística estéril.

No caso da vacina canadense “à base de plantas”, a empresa produziu em apenas 20 dias uma partícula semelhante ao vírus SARS-CoV-2 após a obtenção de seu código genético e passou a multiplica-la em plantas. A partir daí, iniciou os testes pré-clínicos. Em seguida, foi autorizada aos testes clínicos das fases 1 e 2 e, recentemente, da fase 3.

A Medicago é líder em tecnologia à base de plantas e já demonstrou antes a capacidade de responder a uma pandemia de gripe. Em 2009, por exemplo, a empresa produziu uma vacina contra o H1N1 em apenas 19 dias.

Medicamentos comestíveis

Outros desdobramentos da “agricultura molecular” são transformar as plantas em medicamentos comestíveis. Em vez de injeções de insulina, as pessoas com diabetes podem comer, quem sabe, um tomate. Em vez de vacina contra a gripe no braço, você poderia comer milho ou tomar um suco de laranja imunizante.

Pode parecer estranho, mas há precedentes. Um tipo de vacina contra a poliomielite, que contém o vírus enfraquecido administrado como alimento, foi amplamente utilizado para combater a doença.

No entanto, já houve fracassos em tentativas similares. Uma série de vacinas comestíveis à base de plantas contra Hep B, raiva e norovírus não teve os resultados esperados. “A proporção de indivíduos com resposta imune foi decepcionantemente, menor que em ensaios clínicos de vacinas padrão”, disseram os autores.

Mas isso pode mudar. Com o surgimento do CRISPR e outras ferramentas de edição de gênica, “vacinas comestíveis feitas com plantas agora podem gerar respostas imunológicas significativas”.

Vários testes recentes tentaram usar uma injeção de vacina como a primeira dose, com uma vacina comestível à base de plantas derivada de arroz, cereais ou milho como reforço. Por enquanto, a terapêutica à base de plantas comestíveis deste tipo ainda está em fase de desenvolvimento pré-clínico.

Investimento

As possibilidades da agricultura molecular encorajaram a DARPA (Agência de Defesa para Projetos de Pesquisa Avançada) a financiar três grandes instalações para otimizar vacinas feitas com plantas a partir de biologia sintética e edição gênica (CRISPR).

Usar outras formas de vida para fazer drogas não é novidade. A levedura, por exemplo, é o meio favorito para a engenharia genética. Outros meios para sintetizar drogas são desde células de insetos até ovos de galinha ou cavalos.

O uso de plantas como biofábricas partiu de uma ideia simples: elas são mais baratas, fáceis e rápidas de cultivar. Mas os cientistas logo perceberam outros benefícios. É relativamente fácil avaliar a melhor maneira de cultivar uma folha de tabaco, uma batata ou um grão de soja como produtores de medicamentos.

O processo começa com a introdução de um vetor na planta que carrega o código genético para fazer uma proteína ou vacina. Dependendo do tipo de vetor, o novo DNA pode gerar uma “expressão estável” (quando a propriedade terapêutica fica em toda a planta) ou uma “expressão transitória” (quando a planta sintetiza apenas por um período).

AUTOR:

Daniel Azevedo Duarte

Daniel Azevedo Duarte é editor-chefe do AgEvolution do Canal Rural, Mestre em Jornalismo (UCM/USP), MBA em Agro (FGV) e entusiasta da inovação no agro. Também é professor em Comunicação no Agro na PUC de Campinas e correspondente de publicações internacionais sobre o setor.

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